sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Aquisição de Imóvel Rural por Empresas Brasileiras sob Controle Estrangeiro


Introdução

A aquisição de imóvel rural por estrangeiro está regulada pela Lei nº 5.709/71, que estabelece o seguinte: 
Art. 1º - O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei.
Da leitura do caput do artigo 1º, chega-se à conclusão de que estão proibidos de adquirir imóvel rural no Brasil o estrangeiro residente no Exterior e a pessoa jurídica estrangeira com sede no Exterior.
Portanto, a pessoa jurídica estrangeira somente poderá adquirir imóvel rural se tiver sede aqui no Brasil, ou seja, essa empresa deve possuir autorização expressa do Governo Brasileiro para funcionar em território nacional e efetivar seu registro na Junta Comercial do Estado em que se localizar sua nova sede. 
No entanto, o §1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/71 amplia o conceito de empresa estrangeira, para os fins da submissão às suas regras:
§1º - Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.
Tanto a Doutrina como a Jurisprudência consideravam que esse dispositivo não havia sido recepcionado pela Constituição Federal. No entanto, a Advocacia-Geral da União (AGU) mudou seu entendimento sobre a matéria, tendo emitido o Parecer CGU/AGU nº 1/2008 - RVJ. Por ter sido aprovado pelo Presidente da República e publicado em Diário Oficial (DOU 23/8/2010), o novo entendimento passou a ser vinculante para toda a administração pública federal, nos termos dos artigos 40 e 41 da Lei Complementar nº 73/93 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União).

1. Análise constitucional

É duvidosa a constitucionalidade da sujeição da “empresa brasileira sob controle estrangeiro” às mesmas regras impostas à empresa estrangeira para a aquisição de imóvel rural.
Tal dispositivo legal não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, em decorrência da literalidade de seu artigo 190:
Art. 190 - A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.
Poderia a lei ordinária ampliar a restrição às empresas brasileiras sob controle estrangeiro? Parece-me que não.
Outra questão levantada foi a possível incompatibilidade com o artigo 171 da Carta Magna. Esse artigo, que foi revogado pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995, previa o seguinte:
Art. 171. São consideradas:
I - empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País; 
II - empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades.
Em 1994, o entendimento da AGU era que tal dispositivo não havia sido recepcionado pelo texto constitucional. O Parecer da AGU faz expressa menção a essa passagem histórica:
30. Por essa manifestação, o dispositivo em questão - § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971 - não havia sido recepcionado em face da redação do art. 171, I da CF que constitucionalizara o conceito de empresa brasileira e não admitia restrições à atuação de empresa brasileira, somente aquelas expressas no texto constitucional.
31. Essa situação, segundo o Parecer, era diversa da vivenciada no ordenamento constitucional anterior, em que não havia a constitucionalização do conceito de empresa brasileira e que admitia restrições à sua atuação com base na lei ordinária.
No entanto, a EC nº 6/1995 (publicada em 16/8/1995) revogou expressamente o artigo 171 da Constituição Federal, que concedia à lei a possibilidade de criar benefícios para a “empresa brasileira de capital nacional”. 
A EC nº 6/1995 tem origem na PEC nº 5/1995, de iniciativa do Presidente da República. Essa PEC tinha por objetivo dar nova redação ao artigo 171, para considerar "empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede e administração no País". Na Exposição de Motivos nº 37, de 16/2/1995, assinada por seis ministros e encaminhada ao Presidente da República, ficou clara a intenção de acabar com a discriminação entre empresas brasileiras de “capital nacional” e de “capital estrangeiro”:
2. A proposta tenciona eliminar a distinção entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional e o tratamento preferencial concedido a esta última. Para tanto, firma-se conceito de empresa brasileira como aquela constituída sob as leis brasileiras e com sede e administração no País.
3. A discriminação no capital estrangeiro perdeu o sentido na contexto de eliminação das reservas de mercado, maior intercalação entre as economias e necessidade de atrair capitais estrangeiros para complementar a poupança interna…
No entanto, o Congresso Nacional optou por revogar o artigo 171 da Constituição Federal, situação esta que gerou o seguinte impasse: 
  • para quem entendia que o §1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/71 não havia sido recepcionado pelo artigo 171 da CF, a desconstitucionalização do conceito de empresa brasileira pela EC nº 6/1995 possibilitou ao legislador ordinário criar distinções por lei ordinária; 
  • para quem entendia que o texto original do artigo 171 não gerava incompatibilidade, a sua revogação eliminou a distinção entre "empresa brasileira" e "empresa brasileira de capital nacional", o que tornaria o §1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/71 não-recepcionado pelo novo formato constitucional. 
Na época, a AGU chegou à primeira conclusão, de que o dispositivo era inconstitucional desde a promulgação da CF/88 e, com a revogação do artigo 171 da Carta Magna, tal restrição passou a ser compatível com a Constituição. No entanto, como o nosso ordenamento jurídico não permite a repristinação de normas revogadas, haveria necessidade de uma nova lei para impor às empresas nacionais sob controle estrangeiro restrições para a aquisição de imóveis rurais.
No entanto, o atual Parecer da AGU defende uma tese ainda mais diversa, de que o §1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/71 nunca contrariou o texto constitucional e que continua válido, devendo ser cumprido à risca. 

2. Restrições para a aquisição de imóvel rural

As restrições impostas pela Lei nº 5.709/71 para a aquisição de imóvel rural são distintas para estrangeiros pessoas físicas e pessoas jurídicas.
Somente para as pessoas físicas há a hipótese de aquisição livre (até 3 módulos de exploração indefinida) e a aquisição, entre 3 e 5 módulos, requer apenas a prévia autorização do Incra, mediante um procedimento administrativo.
Art. 3º - A aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira não poderá exceder a 50 módulos de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua.
§ 1º - Quando se tratar de imóvel com área não superior a 3 módulos, a aquisição será livre, independendo de qualquer autorização ou licença, ressalvadas as exigências gerais determinadas em lei.
Para as pessoas jurídicas estrangeiras, a lei é muito mais rígida, pois exige prévia autorização do Incra, independentemente da dimensão do imóvel, e tal autorização somente poderá ser concedida em situações específicas.
As pessoas jurídicas estrangeiras (e, agora, também as nacionais sob controle estrangeiro) somente poderão adquirir imóvel rural numa das hipóteses legais do artigo 5º, que são: implantação de projetos agropecuários, industriais ou de colonização, desde que tais projetos estejam vinculados aos seus objetivos estatuários.
Se a aquisição pretendida não se enquadrar numa dessas limitadas situações, a aquisição é proibida; portanto, o Incra não poderá emitir a autorização.
Com a abertura de mercado iniciada no Governo Collor e ampliada nos governos seguintes, muitas das grandes empresas de nosso País passaram a estar, direta ou indiretamente, sob controle de alguma empresa estrangeira. Isso engloba uma grande parte das instituições financeiras, concessionárias de telefonia, energia elétrica, etc.
Essas empresas, que não atuam no ramo rural, costumavam adquirir imóvel rural como investimento ou, o que era muito mais frequente, como única forma de ver seu crédito saldado (dação em pagamento, adjudicação de bem penhorado em execução, etc.).
Após o Parecer da AGU, tudo isso mudou, pois essas empresas não podem mais adquirir livremente imóveis rurais e, como já foi explicado, a lei não permite que o Incra autorize a aquisição que não se enquadre numa das limitadas hipóteses legais. O Banco Santander (Brasil) S.A., por exemplo, por não atuar em nenhum desses setores, não pode mais adquirir imóvel rural, nem em dação em pagamento em decorrência de um crédito não recebido, conforme lhe possibilitava o artigo 35 da Lei nº 4.595/64:
Art. 35. É vedado ainda às instituições financeiras:
II - Adquirir bens imóveis não destinados ao próprio uso, salvo os recebidos em liquidação de empréstimos de difícil ou duvidosa solução, caso em que deverão vendê-los dentro do prazo de um ano, a contar do recebimento, prorrogável até duas vezes, a critério do Banco Central da República do Brasil.
A Lei nº 5.709/71 traz outra restrição à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, que é o limite percentual da área territorial de cada Município que pode estar sob domínio estrangeiro. Nos termos do artigo 12, a soma das áreas pertencentes a estrangeiros não pode ultrapassar 25% da superfície do Município onde se situam. O limite para uma mesma nacionalidade é de 10% do referido território.
Compete ao Registro de Imóveis efetuar esse controle (cadastro especial) em um livro auxiliar das aquisições de imóveis rurais por pessoas estrangeiras (artigo 10) e comunicar, trimestralmente, ao Incra e à respectiva CGJ, as aquisições havidas no período, "sob pena de perda do cargo" (artigo 11).
Em decorrência dessas regras, o controle deve ser preciso não apenas quanto à dimensão do imóvel adquirido pelo estrangeiro, mas também quanto à nacionalidade do adquirente. Nem sempre é fácil definir essa "nacionalidade" no tocante à pessoa jurídica brasileira controlada por estrangeiro, nas hipóteses em que o controle societário é composto por capitais de origens diversas.

3. Capital estrangeiro

O Parecer da AGU aponta o artigo 172 da Constituição Federal como amparo constitucional para a inclusão da empresa brasileira sob controle estrangeiro às restrições da Lei nº 5.709/71.
136. Se o art. 172 da CF dispõe que lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, e se capital estrangeiro é aquele que pertence aos que residem no exterior, ou às empresas sediadas no exterior, "ex vi" da parte final do caput do art. 1º da Lei nº 4.131, de 1962, forçoso é concluir que o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, disciplina, a bem do interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro realizados por empresa brasileira controlada por estrangeiros não residentes, no que concerne à aquisição ou arrendamento de imóveis rurais.
141. Ora, se o art. 172 refere-se aos investimentos de capital estrangeiro feitos por empresas brasileiras, aquelas, à luz do texto original de 1988, previstas no art. 171, I, parece-me óbvio que o § 1º do art. 1º da Lei nº 5.709, de 1971, foi recepcionado e agasalhado, também, por este dispositivo constitucional.
A Constituição Federal subordina os investimentos de capital estrangeiro ao interesse nacional, delegando ao legislador ordinário a sua disciplina.
Art. 172 - A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros.
A lei que disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior é a Lei nº 4.131, de 3/9/1972. O seu artigo 1º conceitua o que vem a ser capital estrangeiro:
Art. 1º - Consideram-se capitais estrangeiros, para os efeitos desta lei, os bens, máquinas e equipamentos, entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou monetários, introduzidos no País, para aplicação em atividades econômicas desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior.
Sendo assim, somente é considerado capital estrangeiro o capital introduzido no País para a aplicação em atividade econômica, de titularidade de pessoa natural ou jurídica residente ou com sede no Exterior. Uma vez investido no Brasil, esse capital perde a característica de "capital estrangeiro", tanto que o artigo 2º prevê sua isonomia com o capital nacional:
Art. 2º - Ao capital estrangeiro que se investir no País, será dispensado tratamento jurídico idêntico ao concedido ao capital nacional em igualdade de condições, sendo vedadas quaisquer discriminações não previstas na presente lei.
Figura 1 - Investimento de Capital Estrangeiro.

Portanto, a limitação imposta à empresa brasileira sob controle estrangeiro para adquirir imóvel rural não tem fundamento no artigo 172 da Constituição Federal, uma vez que a aquisição não é feita pelo estrangeiro controlador (com uso de capital estrangeiro), mas sim pela empresa brasileira, com recursos já nacionalizados (capital nacional).

4. Controle efetivo da empresa
§1º - Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.
A caracterização pela simples análise da titularidade da "maioria do capital social" estava coerente com a legislação da época. No entanto, com a vigência da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações), que permitiu a desvinculação da quantidade do capital investido na sociedade com o seu efetivo controle, a doutrina tem afirmado que essa situação mudou. Isso porque a Lei das S.A. permite a emissão de ações preferenciais para a obtenção de capital, conferindo a seus titulares prerrogativas na percepção dos lucros mas sem direito a voto. As decisões, portanto, ficam restritas aos titulares das ações ordinárias. Além disso, definiu expressamente o que é "acionista controlador" em seu artigo 116:
Art. 116 - Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
O Parecer da AGU defende esse novo entendimento, ou seja, a empresa brasileira que se submete às restrições da Lei nº 5.709/71 é aquela em que o estrangeiro, residente ou sediado no Exterior, tem o “controle efetivo da empresa”. O controle efetivo é caracterizado pela titularidade da maioria de seu capital votante e pelo exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades. 
223. Assim, para que se entenda presente a norma contida no § 1º do art.1º da Lei nº 5.709, de 1971, a pessoa física ou jurídica estrangeira deve preencher, cumulativamente, os requisitos de que cuidam as alíneas "a" e "b" do art. 116 da Lei nº 6.404, de 1976.
Essa interpretação da AGU, apesar da aparente coerência com a legislação em vigor, é impraticável. O artigo 116 da Lei das S.A. trata de definir a situação da empresa num dado momento, que pode variar nos termos do acordo de vontade de seus acionistas-eleitores. Não pode uma situação tão precária servir de base para definir se a empresa pode ou não adquirir imóvel rural.
É óbvio que o "acordo de voto" garante ao "beneficiário" o efetivo controle da empresa (critério previsto na alínea "b"). Mas o acionista que exerce esse controle não o faz com o poder exclusivo de suas ações. Ele exerce o controle pela utilização de um mandato conferido por outros acionistas que lhe garante a maioria. Esse acordo não é permanente, podendo ser revogado nos termos nele pactuados. É certo que os "verdadeiros controladores" (titulares da maioria dos votos) não assinarão um acordo em que não possam revogá-lo em determinadas situações. Não parece ter sido essa a "mens legis" do §1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/71.
O artigo 116 traz apenas um critério objetivo, previsto na alínea "a", que é a titularidade da maioria dos votos. É o critério que deve prevalecer ("maioria do capital social" = "maioria dos votos"). Os demais critérios não podem ser utilizados na interpretação da Lei nº 5.709/71, pois são subjetivos e coloca a vontade dos acionistas acima da norma.
Portanto, o controle da empresa deve ser analisado objetivamente, identificando quem possui a titularidade da maioria do capital votante (controle potencial), não importando se ele exerce ou não efetivamente o seu poder.
Diante disso, estão submetidas às restrições para a aquisição de imóvel rural apenas as pessoas jurídicas brasileiras cuja "maioria do capital votante" seja de titularidade de pessoa natural estrangeira residente no Exterior ou de pessoa jurídica estrangeira com sede no Exterior.

5. Controle estrangeiro indireto

Para compreender melhor a questão, vamos analisar a estrutura societária do Banco Santander (Brasil) S.A., uma das maiores instituições financeiras do Brasil.
Verifica-se, pela figura 2, que grande parcela do capital social do Santander Brasil (82,1%) está sob controle estrangeiro, sendo 46,8% de titularidade de uma empresa holandesa e 35,2% de uma empresa espanhola. Nessa primeira análise, percebe-se a primeira dificuldade: quem é o controlador?

Figura 2 - Estrutura societária do Santander do Brasil.

Mesmo não tendo a maioria absoluta das ações, a empresa holandesa tem maiores chances de ser a controladora do Banco Santander (Brasil) S.A., pois basta que obtenha dos minoritários uma quantidade de votos superior a 3,2% do capital votante. Apesar dessa aparente facilidade, tal resultado não é garantido, pois isso depende de acordo entre os acionistas; e tais acordos podem ser alterados a qualquer momento.
Para facilitar a questão, voltemos ao ano de 2009, antes da oferta global de ações feitas pelo Banco Santander (Brasil) S.A., quando a sua composição societária era a seguinte: Santander Insurance Holding, S.L. (2,6%); Grupo Empresarial Santander, S.A. (40,7%); Sterrebeeck B.V. (54,7%); e minoritários (2%). Como o sócio majoritário era a empresa Sterrebeeck, a maioria do capital estrangeiro investido no Santander Brasil era obviamente holandês; portanto, o controle do banco brasileiro, em 2009, era holandês.
No entanto, numa análise mais profunda, verifica-se que esses três acionistas são empresas controladas pelo Banco Santander S.A. (da Espanha). A empresa holandesa é uma subsidiária integral daquela empresa espanhola. Portanto, 82,1% das ações ordinárias do Santander do Brasil estão sob controle indireto do Santander da Espanha.

Figura 3 - Estrutura societária do Santander espanhol.

Diante dessa segunda constatação, pergunta-se: como ficaria o controle do Banco Santander (Brasil) S.A. se a empresa holandesa continuasse titular de 54,7% das ações com direito a voto?
Se a resposta for "controle espanhol", surge uma segunda dificuldade: deve-se, então, analisar a estrutura societária do Santander da Espanha para verificar se seu controle não é de outra nacionalidade? Quantos patamares deverão ser investigados? Esta não parece ser a melhor resposta, pela sua total inaplicabilidade. 
A remessa de lucros do Santander Brasil deverá obedecer a sua estrutura societária; portanto, a parcela dos lucros gerados pela empresa devidos pela participação societária da empresa Sterrebeeck B.V. deverá ser remetida a ela, na Holanda, e não diretamente ao Santander espanhol. Esta empresa espanhola somente terá acesso aos resultados, por intermédio de sua subsidiária holandesa, segundo as regras contidas em seu Estatuto Social e pela legislação vigente na Holanda. Portanto, o controle do Santander Brasil em 2009 (maioria absoluta do capital votante em poder de Sterrebeeck B.V.) era, sem dúvida nenhuma, holandês. 
Seguindo esse mesmo raciocínio, o Banco Santander (Brasil) S.A. é uma empresa brasileira sob controle estrangeiro, uma vez que a maioria de seu capital votante é de titularidade de empresa estrangeira sediada no Exterior. No entanto, a empresa Santander Leasing S.A., uma subsidiária integral do Banco Santander (Brasil) S.A., não se enquadra nesse conceito, uma vez que, em seu quadro societário há apenas um acionista, a empresa brasileira Santander, que aplicou ali um capital integralmente nacional. Portanto, a empresa Santander Leasing S.A. não se submete a nenhuma das restrições da Lei nº 5.709/71.

Figura 4 - Subsidiária integral do Santander do Brasil.

Não há como interpretar de forma diversa. Se, para ser equiparada à pessoa estrangeira, a lei exige que a pessoa jurídica controladora da empresa brasileira tenha sede no Exterior, é óbvio que essa análise deve ser feita apenas no quadro societário da empresa que pretende adquirir o imóvel rural e não em patamares ou graus superiores. Se não fosse assim, a exigência de "sede no Exterior" para o controlador estrangeiro perderia todo o sentido, pois toda empresa estrangeira autorizada a funcionar no Brasil (sede no Brasil) é uma simples filial integralmente controlada pela matriz sediada no Exterior e seus sócios controladores são, também, estrangeiros.
Portanto, as empresas controladas pelo Banco Santander (Brasil) S.A. e as controladas pelas suas subsidiárias brasileiras não estão subordinadas às restrições para aquisição de imóveis rurais. O fato de todas elas estarem, indiretamente, sob total controle do Banco Santander S.A. da Espanha não é suficiente para enquadrá-las na regra do §1º do artigo 1º da Lei nº 5.709/71.

Figura 5 - Controles em graus variados.

6. Inaplicabilidade da norma

O objetivo da lei é propiciar um controle minucioso das áreas rurais sob domínio estrangeiro, controle este que, para ser efetivo, deve ser permanente. 
No tocante as pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras o controle funciona com certa precisão (uma das dificuldades na atualização de dados está no controle das "baixas" de imóveis em poder de estrangeiros, em que o adquirente brasileiro não é obrigado a registrar seu título em um determinado prazo).
No entanto, no tocante às empresas brasileiras equiparadas à pessoa jurídica estrangeira, o controle somente será possível no momento da aquisição, pois a atualização dos dados será impraticável e o cadastro especial existente no Registro Imobiliário perderá toda a sua utilidade. 
Vamos utilizar um exemplo para melhor explicar a inaplicabilidade desse controle.
  • Agropecuária Brasil-Canadá S.A. (empresa brasileira sob controle canadense) 
  • imóvel de 50 hectares (5 MEI em Conchas, SP) 
  • uso em projeto agropecuário aprovado pelo Incra em 14/9/2010 
  • escritura de aquisição em 21/9/2010 e registro em 30/9/2010 
  • registro do direito de propriedade na matrícula do imóvel e "registro especial" no livro auxiliar de aquisição de imóveis rurais por estrangeiros 
Em função das necessidades do mercado, a empresa Agropecuária Brasil-Canadá S.A. sofreu algumas alterações em sua estrutura societária. Tais alterações não foram comunicadas ao Registro de Imóveis, pois não há obrigação legal nesse sentido. Eis as principais ocorrências:
  • Setembro de 2010: aquisição do imóvel rural - 50 hectares creditados na conta genérica "estrangeiros" (controle do limite de 25% do território municipal) e da conta específica "canadenses" (controle do limite de 10%); 
  • Janeiro de 2011: o acionista canadense vendeu sua participação societária a uma empresa mexicana, que passou a ser a controladora da empresa Agropecuária Brasil-Canadá S.A. - o Registro de Imóveis não foi notificado dessa mutação societária (que resultaria na necessidade de transferir os 50 hectares da conta "canadenses" para a conta "mexicanos"); e 
  • Junho de 2011: um grupo brasileiro compra parcela das ações do acionista mexicano e passa a controlar a empresa - o Registro de Imóveis não foi notificado dessa outra mutação societária (que resultaria na necessidade de "dar baixa" dos 50 hectares da conta "estrangeiros" e da conta "mexicanos"). 
Além disso, quem fará o controle nas hipóteses de empresa brasileira que, já sendo titular de imóveis rurais, tem seu controle acionário adquirido por estrangeiro? Não há como controlar essas aquisições indiretas, por vários motivos, dos quais se destacam:
  • a Lei nº 5.709/71 restringe e disciplina as aquisições diretas, não havendo previsão legal para as aquisições indiretas, que ocorrem no caso do controle de uma empresa brasileira ser adquirido por acionista estrangeiro domiciliado no Exterior; 
  • nessas hipóteses, a lei não exige a alienação do bem imóvel, ficando a empresa, agora controlada por estrangeiro, numa situação delicada na hipótese de incorporação de alguma subsidiária que possua imóveis rurais em seu ativo; 
  • no caso das sociedades por ações, o controle da titularidade não é registrado na Junta Comercial, mas apenas nos livros de registro de ações nominativas e nos livros de transferência de ações nominativas, que ficam em poder da própria empresa; 
  • nas sociedades abertas, em que há negociação de ações, a empresa deve comunicar à Comissão de Valores Mobiliários as mudanças de controle, mas a CVM não tem como averiguar (nem lhe compete isso) se a empresa que passou a ser controlada por estrangeiro possui imóvel rural; 
  • a empresa controlada por uma pessoa natural estrangeira domiciliada no Brasil (residência permanente) não se submete às restrições da lei; mas nada impede que esse controlador mude-se definitivamente para seu país de origem, deixando um mandatário cuidando de seus interesses aqui no Brasil; diante dessa hipótese, como fica o controle dos imóveis adquiridos quando ele residia no Brasil? ou apenas as novas aquisições se submetem à legislação? 
Todas essas questões são apenas alguns exemplos da inaplicabilidade desse dispositivo legal.

7. Efeitos do descumprimento da norma

No caso de aquisição de imóvel rural que viole as disposições da Lei nº 5.709/71, o artigo 15 prevê as seguintes consequências:
  • o negócio jurídico é nulo de pleno direito; 
  • o tabelião e o registrador responderão civilmente pelos danos, sem prejuízo da responsabilidade criminal; e 
  • o alienante deverá restituir ao adquirente o preço do imóvel. 
Mais uma vez o legislador foi incoerente. A lei traz severas punições ao tabelião e ao registrador (acrescente-se que o artigo 11 prevê a perda do cargo na hipótese da não-comunicação trimestral ao Incra e à CGJ das aquisições havidas no período), mas não prevê nenhuma punição a quem verdadeiramente descumpriu a lei.
A nulidade do negócio jurídico não é punição; é mera consequência da prática de qualquer ato ilegal. A restituição do preço também não é punição, pois apenas restabelece o "status quo ante", uma vez que o imóvel retorna ao patrimônio do alienante. Ou seja, a lei não traz nenhuma consequência gravosa para aqueles que efetivamente burlam a lei.
O ideal é que a lei punisse tanto o vendedor como o comprador com pesada multa, a ser paga por ambos em valores iguais, de forma a desestimular a alienação de imóveis rurais em desacordo com a lei.

Conclusão

No desempenho de sua atividade, não cabe ao registrador imobiliário discutir o mérito desse novo entendimento, mas apenas seus efeitos práticos, pois esse parecer vincula todos os escalões do Executivo Federal (AGU, Incra e outros) e, após expressa decisão do CNJ, passou também a vincular os serviços notariais e de registro.
As empresas brasileiras que passam a estar subordinadas às restrições da lei são apenas as que estão sob controle direto de pessoa natural ou jurídica estrangeira, que resida ou tenha sede no Exterior. Não há que se fazer o controle do quadro societário da empresa controladora, nem da controladora desta. O comando legal restringe a análise apenas ao controlador direto, ou seja, deve-se verificar a nacionalidade e o domicílio/sede somente do titular da maioria do capital votante.
Compete ao Registro de Imóveis efetuar o controle da extensão territorial de cada Município que esteja em poder dos estrangeiros. Com a inclusão das empresas nacionais sob controle estrangeiro nessa estatística, o controle deixou de ter coerência e efetividade, pois inexiste obrigação por parte das empresas de comunicar ao registro imobiliário a mutação de sua situação societária. Em decorrência, o controle do registro imobiliário levará em conta apenas o momento da aquisição, mas não representará a realidade diante das constantes mutações acionárias, numa incontável "troca de cadeiras" que ocorrerá segundo as necessidades do mercado. Em suma, o controle que compete ao registrador imobiliário passa a ser artificial, pois não é possível acompanhar as mutações do dia-a-dia dessas empresas.
A inclusão das empresas nacionais sob controle estrangeiro às restrições da Lei nº 5.709/71 poderá gerar sérios prejuízos ao nosso País, não sendo, portanto, uma boa política de governo. Considerando que as grandes empresas (principalmente as instituições financeiras) estão nessa situação, todas as dificuldades e prejuízos a elas impostos serão, de uma forma ou de outra, repassados ao consumidor. A instituição financeira controlada por estrangeiro já saberá, de antemão, que o imóvel rural dado em garantia não poderá ser por ela arrematado para satisfazer seu crédito na hipótese de inadimplemento; consequência: a população terá maiores dificuldades para obter novos empréstimos quando a garantia que se pretende ofertar seja o seu imóvel rural. 
Diante tudo disso, pergunta-se: qual é a vantagem para o nosso Brasil em discriminar a empresa brasileira sob controle estrangeiro? Se a lei permite a criação e o funcionamento dessas empresas como pessoas jurídicas brasileiras, elas devem e merecem ser tratadas como tal.

Eduardo Augusto
Diretor de Assuntos Agrários do Irib
Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Fadisp
http://eduardoaugusto-irib.blogspot.com


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